Dificilmente encontro uma linguagem que exprima com mais clareza e contundência um sentimento profundo de serenidade e equilíbrio que a de Osvaldo Gaia. Um sentimento vigoroso que me fascina tanto quanto perturba, pois quando me confronto com a sua obra, experimento essa profundidade de forma inconsciente. É difícil a abstração do intelecto, mas com a obra de Osvaldo experimentamos o momento genial em que essa abstração consagra a sua própria existência. A emoção como prova do valor máximo do intelecto humano.
Acompanhar o artista no processo que o levou a produzir esta exposição, partilhar os seus desassossegos, a sua abnegada investigação artística e emotiva… Partilhar da luz que enche o espaço de trabalho, o cheiro dos materiais, do seu processo criativo, disciplina e métodos de trabalho, levou-me a explorar e desconstruir a minha própria memória. As questões fundamentais do seu trabalho continuam presentes, sistemas em equilíbrio e de gloriosa leveza formal que revelam uma produção rica em paradoxos, assim como uma tensão óbvia entre morfologia e conceito poético.
Perpetuando a inerente dualidade entre o onírico e o intrínseco, Gaia força a introspecção e contemplação do nosso mundo emotivo, levando-nos a tentar encontrar referências em nossa memória, imaginação e sonhos. Nesta exposição, Osvaldo Gaia revela algo que ultrapassa a sua poética e permeia a sua produção. Momentos onde tempo e memória desempenharam um papel fundamental.
Equilíbrio. Equilíbrio articulado e elegante que transporta um sentido quase monástico de relação com o tempo, como se este, de fato, fosse encapsulado, dando liberdade ao observador de se relacionar com os objetos em estratos diferentes. Uma relação (de equilíbrios) entre intuição e racionalidade que se dilui e dá lugar ao corpo sedutor da emoção. Emoção pelo reconhecimento íntimo e intenso de que obra de Gaia é veículo, fio condutor, para a nossa memória e estória… O que faz da sua obra, a nossa obra.
Não podendo deixar de referir a minha própria estória. Esta série de trabalhos de Osvaldo (em exposição) leva-me de imediato às primeiras experiências museológicas, quando criança. A emoção e pasmo que era o descobrir todos aqueles objectos diferentes, reclamando atenção e análise cuidada. A história, os objectos, as ferramentas e a noção empolgante que tudo aquilo faz parte de nós. Sinto o mesmo quando percorro o espaço da galeria e comunico com as obras de Osvaldo nesta exposição. Se por um lado os elegantes sistemas de equilíbrio se assemelham a achados arqueológicos, esgaravatados do solo por ferramentas cuidadosas, por outro, essas ferramentas estão presentes no painel de 26 peças esculpidas em madeira.
Nuno Ribeiro